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Enoturismo

Vinhedos do fim do mundo: na rota da Patagônia argentina

10 março 2020
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Na paisagem dramática da Patagônia argentina, há lugar também para as vinhas, ponto de partida para a produção de exemplares com perfil único

Se você observar o mapa-múndi, vai perceber que, para os habitantes do norte do planeta (que são os maiores e mais exigentes consumidores de vinho), o fim do mundo é a Patagônia. Tanto a argentina quanto a chilena, nacionalidades que, aliás, vivem disputando o título de lugar mais austral do globo. De fato, o milhão de quilômetros quadrados que compõem essa área são os que mais se aproximam do Pólo Sul.

Por isso — e pelas incríveis belezas naturais que possui em suas planícies ventosas, suas montanhas nevadas e grandes geleiras — a Patagônia vem se transformando em um destino importante para enófilos, enólogos e viajantes ávidos por conhecer lugares “fora da caixa”, que chegam não só do Hemisfério Norte, mas de toda parte do mundo.

A produção ainda é pequena, se comparada à dos vinhedos de Mendoza e dos vales mais centrais do Chile. Mas os vinhos patagônicos vêm sendo cada vez mais elogiados.

Noites frescas de verão

Produzidos em altitudes que variam de 300 a 500 metros acima do nível do mar, em regiões como Rio Negro, Neuquén, La Pampa (na Argentina) e Vale de Puelo, Cochamó e Aisén, no Chile, as bebidas do fim do mundo têm sabor intenso, cor forte e riqueza aromática. Essas características são oriundas de fatores como a aridez da região, o frio do inverno e as noites frescas do verão.

No passado, a aridez impedia a formação de vinhedos nesse território, que requer sistemas de irrigação pela falta de chuvas. Mas graças aos colonizadores ingleses, que no século 19 cavaram canais de irrigação às margens do Rio Negro, a agricultura local foi viabilizada.

Cultivadas em altitude menos elevada do que em outras regiões vinícolas argentinas, como Mendoza, San Juan e Salta, as uvas patagônicas têm um período de amadurecimento mais longo e lento, que lhes confere características especiais.

Nos 4.550 hectares de vinhedos plantados na região patagônica, é cultivada uma grande quantidade de uvas, que geram vinhos para gostos variados. Entre os tintos, destacam-se Cabernet Franc, Cabernet Sauvignon, Merlot, Syrah, Pinot Noir e Malbec. Já para quem prefere os brancos, a dica é experimentar os Chardonnay, Sauvignon Blanc, Viognier e Sémillon.

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Esta última, aliás, merece toda atenção pela autenticidade. Fala-se muito nos Pinot Noir patagônicos (e vale prová-los, sobretudo em Chacra, como você confere nesta reportagem), mas em termos de autenticidade, a Sémillon gera exemplares equilibrados que evoluem muito bem na garrafa, com nuances aromáticas complexas e grande personalidade no paladar. Acredite: há vinhos Sémillon com capacidade de guarda de dez anos!

Do lado argentino, Neuquén é a principal região vitivinícola da Patagônia e sua capital, homônima (430 quilômetros ao sul de San Carlos de Bariloche), é a base para viajantes que querem submergir na produção das vinícolas locais. Sede de um bom aeroporto regional, Neuquén permite visitas a adegas nas regiões de Rio Negro e da própria província de Neuquén.

Uma delas é a Familia Schroeder, aberta para visitantes, que oferece um bom restaurante, mas não hospedagem. Os bons motivos para visitar este lugar vão além das vinhas. Em 2003, durante a escavação para o estabelecimento do vinhedo, os trabalhadores encontraram o fóssil de um Gigantosaurus — que se tornou marca registrada nos rótulos dos vinhos da vinícola.

Perto dali fica a gigantesca Bodega del Fin del Mundo, a 39 graus de latitude sul e a 55 quilômetros da cidade de Neuquén. A vinícola abriga nada menos do que 2.400 barricas, com capacidade de produção de 8 milhões de litros por ano. O processo de elaboração pode ser observado do alto de corredores elevados, por meio de visitas guiadas.

Outra vinícola, esta com apelo gastronômico, é a Bodega Malma, que também merece uma visita por suas modernas instalações (há guias no local).
À mesa, no Malma Restaurant, brilha a cozinha patagônica, que inclui pratos como o tradicional cordeiro e a truta, peixe abundante na região. Para uma visita exclusiva, a dica é se hospedar na Casa Malma, a pousada da vinícola, construída entre os vinhedos, com capacidade para cinco pessoas.

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Alguém disse Pinot Noir?

Se você comentar com algum morador local que veio à Patagônia para visitar as vinícolas, é quase certo que ele dirá para não perder os Pinot Noir da região. Quando bem vinificados, mostram-se complexos e harmônicos, combinando acidez refrescante e ótima concentração de fruta, com boa expressão do terroir local. A dica, aqui, é não cair na tentação de compará-los aos clássicos Pinot Noir da Borgonha. Atente-se à tipicidade da uva.

Muitas vinícolas focam a produção no aperfeiçoamento dessa variedade, considerada temperamental, de difícil cultivo. Uma delas é a Humberto Canale, a oeste de Neuquén, bem perto da cidade de General Roca. É a vinícola mais antiga da Patagônia, em atividade há 110 anos. Além de restaurante, o lugar oferece passeios guiados, participação na colheita e até trekking.

Os programas, que podem se estender por até dois dias, também podem incluir aperfeiçoamento para profissionais de gastronomia. É preciso reservar com antecedência.

Mas é nas adegas biodinâmicas da Bodega Chacra que os Pinot Noir mais famosos da Patagônia são produzidos, em um processo beneficiado pelos vinhedos antigos e abandonados por colonizadores italianos há 80 anos. Deixe para visitá-la no fim do roteiro e inspire-se nas 4 mil roseiras e 2.500 pés de lavanda que cercam a horta da propriedade, onde são cultivados legumes, vegetais e ervas aromáticas.

Onde ficar

Neuquén tem grande uma grande oferta de hotéis. Um deles é o Casino Magic. Não ligue para o nome, digno de Disney World. O hotel é discreto, com serviço atencioso, quartos espaçosos, confortáveis e modernamente sóbrios. Outra boa opção, com estilo mais moderno, é o Cyan Soho Neuquén, um hotel novo localizado no centro da cidade, tem design inspirado na arquitetura nova-iorquina do fim do século 19.

Por Nathalia Hein
Publicado na revista WINE, edição 123, fevereiro de 2020.

Escrito por: Wine